Meia
Noite em Paris
por: Verusa Silveira
Diretor e Roteirista: Woody Allen
Elenco:
Gil Pender: Owen Wilson
Inês: Raquel McAdams
Adriana: Marion Cotillard
Ernest Haminway: Corey
Stoll
Gertrude Stein: Kathy Bates
Trilha Sonora: Stephane
Wrembel
Escrito e dirigido por Woody Allen; premiado no Oscar 2012
como melhor roteiro original.
O diretor mostra uma grande paixão pela “Cidade Luz” como é
conhecida Paris, iniciando a filmagem com cenas belíssimas da cidade em seu
cotidiano e na chuva, trazendo imagens de apreciação estética, sensibilidade e
romantismo, envolvendo a todos num clima de beleza.
Paris histórica, dos escritores e artistas, com charme de
cidade antiga e ao mesmo tempo cosmopolita, parece um cartão-postal.
Atravessamos lindos jardins de Luxemburgo e de Tuilleries para
chegar ao Museu do Louvre, mistura do antigo com o novo através da pirâmide
moderna de vidro e símbolo de equilíbrio no Egito.
A bela paisagem nas
margens arborizadas do rio Sena que marca a cidade nos convida a caminhar, a
flanar pelo cais a sonhar e navegar no bateau mouche, junto aos outros turistas
até chegar à catedral de Notre Dame e se extasiar diante dos vitrais coloridos
em forma de mandalas que remetem ao sagrado.
O bairro de Montmartre, tradição de pintores a fazer
retratos, boêmios, poetas, curtidores varando à noite. O Moulin Rouge com suas
dançarinas cheio de erotismo e prazer dançando o can-can; subindo as escadarias
do Sacré Coeur, o mirante da cidade vista de cima.
Detalhes arquitetônicos e motivos decorativos, estátuas,
rostos esculpidos, anjos de bronze e de pedra que protegem a cidade, iluminados
por lampiões à noite, de luz amarelo-ouro.
No frio, entrar num bistrô e beber uma taça de vinho e sair
caminhando aquecido, estimulando as fantasias e, quem sabe... Subir à Torre
Eiffel ou dar um passeio na Praça Des Vosges, lugar nobre e conhecer a casa de
Vitor Hugo onde ele escreveu “Os Miseráveis”.
Andar pela Avenida Champs Ellysées cercada de grandes
magazines, cafés, restaurantes, cinemas, até chegar ao Arco do Triunfo,
observando o movimento cotidiano, pedir um café e deixar o tempo passar...
Visitar o teatro Ópera antigo patrimônio histórico, e assistir
uma peça no atual Ópera onde se celebra grandes eventos culturais, fazendo
parte da vida contemporânea, herança artística e literária da antiguidade.
O antigo e o novo se misturam nessa cidade histórica e nos
seus personagens atraindo percepções e vivências de realidade totalmente
diferentes.
O relógio batendo à meia noite prenuncia uma passagem mágica,
misto de fantasia e realidade, imaginação e loucura, pequenos e grandes sonhos,
mistério... Cenário ideal para uma nova aventura!
A chuva é uma metáfora poética de sensibilidade,
subjetividade, sentimento que convida à intimidade e desejo de amar.
A narrativa do filme retrata um casal de americanos preparando-se
para o casamento e decidem visitar Paris com os pais da noiva, que viajam em
assuntos particulares de negócios; inicia com essa discordância de objetivos.
Gil é um escritor bem sucedido de roteiros de filmes e está
em busca de inspiração para seu novo livro sobre um personagem que tem uma loja
de antiguidades.
Admira os escritores e
artistas parisienses. É um personagem sensível, inseguro, com dificuldades de
valorizar-se, apesar de ser um homem inteligente, criativo, e também sonhador,
fantasioso, e imagina estar apaixonado por sua bela noiva que o critica com
frequência, havendo poucas afinidades entre eles, que se acentuam nessa viajem.
É um casal com personalidades bem opostas e metas diferentes.
Inês é uma bela jovem com uma visão pragmática da vida,
ambiciosa, dominadora, imediatista, tem um olhar turístico e consumista para
cidade, faz compras para o casamento e critica Gil, sempre cortando sua
espontaneidade e não valoriza sua criatividade; não acredita no sucesso do seu
livro e pede que ele mostre a alguém que possa julgar o conteúdo.
No primeiro encontro com
os futuros sogros num jantar, aparecem conflitos ideológicos entre Gil e eles,
que se acentuam com um encontro inesperado de um casal de colegas antigos de Inês,
que os convidam a visitar Versalhes, cidade afastada de Paris, e Gil não gosta
dessa ideia.
Nesse momento inicia um corte na relação do casal, pois Inês
está fascinada por Paul, com quem já teve um caso amoroso no passado.
Esse encontro de coincidência pode indicar uma Sincronicidade
ou princípio de conexão acausal que não se explica pela razão lógica, permitindo
o desenvolvimento da trama para uma direção oposta ao que Gil fantasiava
romanticamente com sua noiva.
A vida é feita de
coincidências significativas como essa, podendo produzir mudanças e grandes
transformações.
Paul é um tipo arrogante, onipotente, falso intelectual,
sedutor e pragmático. Carol é uma figura apagada, dominada pelo companheiro.
Inês gosta do estilo
de Paul que se assemelha à sua proposta de vida baseada na aparência.
Seus pais, pessoas de nível social elevado, não estão
satisfeitos com seu futuro genro sonhador e pouco ambicioso, na sua inocência
de sentir a vida como um louco e criança, sem limites, constelado no arquétipo
da Criança Divina, representação do Self.
Vemos o arquétipo da Persona, papéis ou máscaras que
representamos na sociedade através das figuras de Paul, Inês e seus pais,
preocupados em manter as formalidades.
Gil rompe esse padrão de comportamento, expressando sua
subjetividade ou mundo interior, indicando um homem com uma anima forte que
expressa sua afetividade, espontaneidade, independente do julgamento alheio.
A anima é o arquétipo da feminilidade inconsciente do homem.
Atrás da Persona, no entanto, esconde-se a Sombra desses
personagens: Inês e Paul, traidores e dissimulados, egoístas, insensíveis e
inflados. Paul pode ser considerado um espelho para Inês.
Ela aceita o convite dos amigos para ir a Versalhes e Gil
acompanha; Paul fica no papel de guia turístico e professor, monopolizando o
passeio, contrariando a proposta descontraída de Gil.
As mulheres estão
fascinadas pelo conhecimento intelectual de Paul e Gil sente-se excluído e
inferior.
Segue-se um novo convite de degustação de vinhos pelo sogro e
novamente Carol reforça o ego do marido que é expert em vinhos.
Gil está solto e bebendo muito nesse encontro; expressa enamora
mento pela sua noiva; na despedida, o casal os convida para dançar e dessa vez
Gil recusa e Carol decide acompanha-los.
Gil caminha pela cidade meio bêbado, perdido, não sabe onde
fica o hotel.
Senta-se numa escadaria e sonha que o permite ir para outro
tempo.
O relógio bate à meia
noite e um carro antigo Peugeot se aproxima com pessoas convidando-o a viver
uma aventura, se divertir! Estão bebendo
e lhe oferecem champanhe para continuar a noite.
A sua fantasia se
torna real quando se vê numa festa para Jean Cocteau, poeta, escritor e
cineasta francês, ao som da música de Cole Porter ao piano (Let’s Fall in Love)
e rodeado de escritores dos anos 20, Zelda e Scott Fitzgerald, e outros. Gil está
perplexo diante do que vê e se apresenta como um escritor que se interessa em
mostrar seu livro.
O sonho de Gil acontece nos chamados “Anos Loucos”, uma época
de profundas transformações culturais e sociais, que se seguiu ao fim da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918). Uma nova mentalidade surgia na capital da arte
sempre aberta a todas as influencias revolucionárias e vanguardistas da época e
que foram precursoras do Movimento Modernista.
Paris era o ponto de
encontro dos grandes intelectuais e artistas.
A influência americana é marcante na música através do jazz e
da dança como o charleston.
O movimento feminista emergia com força começando a mudar
profundamente os relacionamentos e a vida social
A tônica era aproveitar a vida que é curta... As festas, as
bebedeiras e as farras são características da vida boemia.
O personagem Gil estava revivendo essa idealização do passado
como fuga do presente ou ampliando seu momento através da capacidade de
fantasiar?
Sonho e realidade se misturam no personagem central da trama.
Gil encontra inspiração no ato de caminhar livremente pelas
ruas de Paris, fortalecendo suas escolhas. Está indeciso e perdido. Sonha...
Na visão Junguiana, os sonhos compensam a vida consciente;
são os grandes mensageiros do inconsciente e cartas do self.
A linguagem dos sonhos é atemporal podendo falar do presente,
passado ou futuro e sempre se refere ao estado psíquico do sonhador; não segue
a lógica cartesiana e se comunica através dos símbolos e das metáforas.
Gil sonha que está em Paris dos anos 20... Um cenário oposto
ao que ele vive; um ambiente de efervescência cultural, artística e social...
O sonho revela exatamente o que ele precisava e que estava
dentro do próprio ambiente psíquico em potencial.
De que tem medo Gil Pender?
Seu primeiro desafio em sua viajem interior, é o encontro com
o jornalista e escritor Hemingway, que escreveu o livro “Paris é uma festa,” baseado nas anotações em cadernos, frutos de
sua vida cotidiana no período entre 1921 e 1926 aprendendo a arte de escrever
junto a outros talentos como Joyce e Fitzgerald, para os quais a literatura era
uma forma existencial, livre, aventureira, festiva, de encontrar um sentido
para a vida.
Conta-se que Hemingway esteve em 1957 em Paris de passagem, e
recupera no hotel Ritz, onde se hospedava seus escritos do passado, através dos
bagagistas que lhe entregam duas malas esquecidas de trinta anos antes.
“Paris é uma festa” surgiu postumamente em 1964.
O encontro de Gil com Hemingway revela um rosto angustiado e
triste, solitário, bebendo, e afronta esse desconhecido com o tema do amor e da
morte.
“Nunca escreverá bem
se tiver medo de morrer”. “Já amou uma mulher”?
“Toda covardia vem de não amar ou não amar bem, o que dá no
mesmo”.
Diz que vai apresentá-lo a Gertrude Stein, para avaliar seu
livro.
Gil se identifica com
Hemingway que possui as características que ele deseja para si: é criativo,
corajoso, ambicioso e intrépido ao escrever. É o próprio sonho de Gil, seu
modelo.
Gertrude Stein, escritora, poeta e feminista nascida nos EUA,
vivia em Paris, onde sua casa era ponto de encontro de jovens artistas
vanguardistas, como Pablo Picasso do cubismo e Dali do surrealismo.
Enquanto isso, no sec. 21, os passeios dos dois casais
continuam e numa visita ao museu do escultor Rodin, a guia é contestada por
Paul sobre as duas mulheres de Rodin, afirmando que a esposa é Camile Claudel e
Rose é a amante.
Gil defende a guia com
segurança reforçando sua informação, para surpresa de Inês que considera Gil insano.
Este convida Inês para viver as suas experiências, levando-a
para a escada onde ele encontrava os antigos escritores e artistas.
A escada simboliza um
portal para o imaginário ou mundo interno do sonhador.
Inês se cansa de
esperar e retorna ao hotel só e frustrada. Estão totalmente desencontrados.
Gil continua suas vivências e sonhos; apaixona-se por uma
linda mulher Adriana que o corresponde e é musa inspiradora de Picasso,
Modigliani, Hemingway e outros. Ela estuda moda com Coco Chanel e se identifica
com o passado como ele.
Enquanto isso, Inês está saindo com Paul para dançar e a
paixão do passado é retomada.
Gil foge no seu sonho para o passado, para não enfrentar a
realidade presente dolorosa dos fatos.
E Carol? Fica ausente?
Em um de seus passeios pela cidade, entediado com a noiva e
sogra, encontra uma loja onde foi atraído pela música de Cole Porter e pela
vendedora jovem e atraente. Travam um diálogo fugaz e é interrompido.
Inês e os pais vão passar um fim de semana fora da cidade e
Gil se recusa a ir, continuando sua viagem interna.
Sonha que está com
Adriana na Belle Epoque ou Idade de Ouro período que vai de 1880 ao início da
primeira Guerra Mundial em 1914.
É caracterizada por profundas transformações culturais que
traduzem novas formas de pensar e viver o cotidiano; era de beleza, inovação e
paz entre os países europeus.
A cena cultural estava
em evidencia, os cabarés, o cancan e o cinema havia nascido. A arte tomava
novas formas com o Impressionismo e o Art Nouveau.
Gil se encontra com seus grandes expoentes Tolouse Lautrec, Gaugin
e Degas.
Adriana representa um aspecto da anima idealizada de Gil e
através dela pode vivenciar o amor romântico que tanto desejava. Chegam ao clímax
do sonho.
Seu sogro constelou o arquétipo da sombra contratando um
detetive para segui-lo nas noites misteriosas e este também se perdeu em suas
fantasias e ninguém sabia dar notícias dele.
O detetive foi influenciado por outros níveis da consciência?
O que aconteceu?
Em sua última viagem pela Belle Époque com Adriana, ele
afirma sua identidade no presente 2010 e que está visitando 1880. Ela diz
pertencer ao passado e ser emotiva e que vai ficar lá.
Eles se despedem. É a lise ou desfecho do sonho.
Gil reencontra com Gertrude que elogia seu livro que
considera como ficção científica e isso dá coragem e estímulo para sua
criatividade e seguir adiante com confiança..
Ela também o adverte
que ele precisava enxergar a relação paralela entre Inês e Paul.
Ela diz que a função
do artista é encontrar um sentido para o vazio de sua existência.
Gertrude foi uma mentora para Gil, funcionando como arquétipo
materno positivo, aspecto também de anima, no seu papel de incentivadora da
profissão de escritor dando asas à sua liberdade criadora.
Para que CRIAR?
Gil retoma a conexão com o presente e decide separar-se da
noiva que fica surpresa com sua escolha consciente.
Ele realizou a metanóia ou transformação através do
imaginário, fortalecendo seu Ego e libertando-se dos padrões convencionais para
seguir o curso evolutivo de seu processo de individuação.
O filme traz com maestria uma das máximas da Psicoterapia
Junguiana:
“Os Sonhos Curam”.
Através dos seus sonhos, Gil
ressignifica o presente; sua autoestima melhora, fortalece seu ego, sai da
simbiose neurótica com sua noiva cortando os laços que o aprisionavam e assume
suas escolhas de ficar em Paris, em busca de sua nova identidade como escritor
e do seu Self criador.
Caminha pelas ruas de Paris à noite, avista a Torre Eiffel
iluminada como estrelas cintilantes e tem um encontro sincronico com a
vendedora de instrumentos musicais, do disco de Cole Porter.
Convida-a para caminhar pelas ruas e a chuva cai novamente;
ela diz que gosta de ficar molhada como ele e seu nome é Gabrielle.
“Paris fica mais bonita na chuva.”
Essa viagem histórica, literária, artística e cultural,
abrangendo séculos passados deu continuidade à Arte Moderna e Pós Moderna
coexistindo essa ligação misteriosa de várias épocas da civilização em uma
única História que reúne Tudo e Todos através do Inconsciente Coletivo que é
Universal e Arquetípico.
Podemos considerar a cidade luz, Paris, como um arquétipo
mágico, capaz de despertar o imaginário das pessoas sensíveis e criadoras.
Continuamos caminhando pela Cidade Luz e sendo influenciados
por todos esses grandes homens e mulheres que fizeram a História da Humanidade
evoluir com suas criatividades e gênios, do século 18 ao século 21.
“Paris é uma Festa” de Hemingway e continua celebrando a
Beleza que elegeu para si.
O grande diretor realiza seu sonho artístico levando milhões
de expectadores à Cidade Luz.
Boa tarde, Verusa
ResponderExcluirInfelizmente não pude comparecer ao evento em virtude da existência de atividade na faculdade, que me impediu de faltar, justamente no dia previsto.
Na proxima atividade, estarei presente
abraço
Silmário
Parabéns, pelo belo texto, Verusa. Ouço e vejo nele o olhar sensível de quem viveu Paris intensamente, na descrição do cenário inicial do filme.
ResponderExcluirParabéns Verusa, li os dois. Os sonhos são capazes. Abraços JP Pinho
ResponderExcluirExcelente análise do filme A Pele que Habito.
ResponderExcluirAjudou muito a esclarecer detalhes do filme para um trabalho de semiótica que preciso fazer.
Obrigada!
Sucesso!