domingo, 19 de junho de 2011


As Pontes de Madison
Por: Verusa Silveira



“Num universo de ambigüidades, este tipo de certeza só existe uma vez e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam”
Robert James Waller."

Elenco:
. Clint Eastwood : Robert Kincaid
. Francesca Johnson : Meryl Streep
. Annie Corley: Carolyn Johnson
. Victor Slezak: Michael Johnson




"Vejo agora claramente que tenho avançado na tua direção e tu na minha desde há bastante tempo. Embora nenhum de nós tivesse consciência do outro antes de nos termos encontrado, havia uma espécie de certeza inconsciente que murmurava alegremente por debaixo da nossa ignorância, garantindo que nos havíamos de unir. Como duas aves solitárias sobrevoando as imensas pradarias por vontade divina, todos estes anos e vidas avançamos ao encontro um do outro." (...)
 Robert James Waller.


Narra um encontro amoroso entre Francesca Johnson, proprietária de uma fazenda no interior de Iowa e Robert Kincaid, um fotógrafo da National Geographic, de Wasghinton, que estava pesquisando pontes fechadas e chegou nessa cidade de Iowa, em Madison, como artista e aventureiro em busca de sua trilha, pedindo informações a Francesca que acabava de despedir-se de sua família, marido e filhos que iam passar quatro dias fora, para participar de uma feira de gado aonde iriam levar um novilho da filha para concorrer.

“Esse encontro magnético ocorreu como uma trama do destino ou sincronicidade, havendo uma” coincidência significativa “definida por C.G.Jung, como princípio de “conexão a causal,” que mostra um elo existente entre dois eventos encadeados ocorrendo simultaneamente; a saída dessa família e a chegada desse fotógrafo na cidade também por quatro dias”.

Não podemos explicar a vida somente pela razão lógica; a sincronicidade se baseia numa visão mais ampla do ser humano onde acontecimentos do mundo interno e externo se unem, criando situações de nível profundo de sentimentos e intuições na psique.

Esse homem e essa mulher precisavam de uma experiência emocional transformadora naquele exato momento, que o encontro proporcionou.

Pode existir uma coincidência entre o conteúdo mental (que pode ser um pensamento ou um sentimento) e um evento externo.

Quem sabe o que cada um estava desejando nesse momento!...

O filme é uma adaptação do romance de Robert James Waller, que supostamente é baseado numa história real.

A trama inicia pelo final do filme, com o encontro dos irmãos Johnson, Michael e Carolyn, na fazenda, após falecimento de sua mãe que deixou um advogado para entregar seu testamento e cartas endereçadas a eles, um diário onde escrevia suas lembranças e um baú com objetos íntimos, além da sua decisão de lançar suas cinzas na ponte Roseman, junto com as cinzas de Robert que havia morrido há três anos atrás e enviou para Francesca sua máquina fotográfica, livro de fotos, cartas e corrente com crucifixo gravado com seu nome que ela lhe deu de presente, um amuleto, para proteção. Ela guardava essas memórias num baú trancado e suas cartas contavam aos filhos “detalhes de sua vida em silêncio”.

A história se desenrola a partir da revelação dessas cartas, que deixa os filhos chocados, com a transgressão de sua mãe que manteve em silêncio sua aventura até o final da vida, para protegê-los de uma moral aprisionante de uma cidade pequena, de hábitos conservadores e controladores. Francesca mantinha as aparências para adaptar-se ao estilo de vida que escolhera para se casar e formar uma família.

Vemos o aspecto do arquétipo da Persona que define os papéis na sociedade e reprime sonhos e criatividade se não forem quebradas as regras impostas.

 Francesca era uma mulher na meia idade, inteligente, que estava bem adaptada aos papéis de esposa e mãe, mas havia uma insatisfação em sua vida, desejos reprimidos de conhecer novas culturas e pessoas, abrir sua mente, que foi realizado através da relação, função do princípio de Eros, despertando o Processo de Individuação em ambos, na meia-idade, conceito junguiano de desenvolvimento da personalidade a partir da necessidade que cada ser humano tem se completar e “ser o que se é”, singular e criativo.

 Ela se mostra espontânea como uma criança ou adolescente, cheia de vida, disposta a compartilhar o prazer, está receptiva a conhecer esse homem, que lhe deixa curiosa ao buscar essa ponte para fotografar.

Ponte é um símbolo de passagem e de prova, é preciso atravessá-la, fazer uma escolha, como uma encruzilhada. É também um símbolo romântico de encontro de amantes, referindo-se às iniciações dos mistérios ou atrações no amor.

 Robert é um homem solitário, divorciado, sem filhos e coloca seu trabalho como uma obsessão, determinação e sentido, fonte criativa de estar no mundo fazendo escolhas a partir da liberdade do seu ser e se define como “cidadão do mundo”.

O cenário é bucólico, estradas rurais belíssimas com vegetação exuberante, pontes e campo coberto de flores. Sua casa é confortável e simples, típica da área rural e a cozinha é bem acolhedora, onde passam a maior parte do tempo, se conhecendo, comendo, bebendo, rindo, escutando música e se enamorando.
 
Os filhos ficaram chocados inicialmente com as cartas e revelações da mãe e resolveram levar um tempo juntos para digerir essas informações novas. Essa situação de perda e luto os reuniu em novas elaborações.

À medida que a leitura sucedia, eles iam se transformando através dessa história autêntica de amor do tipo Eros, ardente, apaixonado, terno, romântico, poético e sublime, criando pontes em nossa imaginação de como iria evoluir esse processo entre uma mulher casada e um homem livre. 

A reação de Michael é bem diferente de Carolyn, se afastando algumas vezes da leitura, com agressividade e revolta, em função da quebra da imagem idealizada da mãe; ela parece estar mais curiosa e aprendendo sobre sua identidade feminina no momento que está em conflito com seu casamento e pretendendo divorciar. Ambos questionam seus casamentos a partir de um novo modelo.

Francesca decide levar Robert à ponte Roseman e o romance inicia de forma bem natural como se conhecessem há longo tempo. Acontece outra sincronicidade, pois ele conheceu a cidade onde ela nasceu em Bari, na Itália.

 Ele vai pegar um som no porta mala do carro e toca em sua perna deixando-a desconcertada e atraída ao mesmo tempo. A paixão de Eros já incendiou seus corpos e corações que flamam de desejo ardente de amar.

Chegam à ponte coberta e ele arma seus aparelhos para iniciar seu trabalho. Ela, caminha pela ponte e parece fantasiar esse instante de liberdade com um desconhecido que coloca sua vida pelo avesso e a faz sonhar acordada. Ele colhe flores e a presenteia e ela faz uma brincadeira dizendo que eram venenosas; ele se intimida, a chama de sádica, e ela se diverte muito com sua provocação.

 Robert está totalmente seduzido por essa encantadora mulher. As flores venenosas podem ser uma alusão aos medos que estão por trás desse processo que inicia com tanta intensidade. 

Ao retornar, ela o convida a tomar um chá em sua casa e ele aceita.  Conversam muito e ele indaga sobre seu marido e estilo de vida. Suas respostas são vagas e diz que “não é o que sonhou quando menina”. Ele fala de um pensamento seu quando dirigia na estrada.

“Os velhos sonhos eram bons sonhos; não se realizaram, mas foi bom tê-los”.

Ela o convida para jantar e a intimidade foi crescendo, a ponto de não poderem se despedir. Ela o observa se lavando num tanque externo a casa, e está apaixonada. Olha-se no espelho e percebe sua transformação pelo Eros, deus do amor e da beleza, que já flechou seus corações para sempre.

Ele conta suas aventuras de viagem e se descontraem num prazer indescritível, como duas crianças brincando, com Alma, sem censuras, uma permissão de viver o instante presente, poético.

Robert fala de sua profissão e diz que é obcecado pelo que faz, gosta de inventar como fotógrafo, voyeur. Ela foi professora e deixou em função da dedicação à família.

Saem a caminhar na noite mágica, inspirada, e ele recita uma frase do poema de Yeats.
“As maçãs prateadas da Lua e as douradas do Sol”

Vemos a união das polaridades masculina e feminina através dos símbolos do sol e da lua, processo que está acontecendo em suas psiques.

Ela pede para voltarem a casa e pergunta sobre seu divórcio e outras mulheres em sua vida, questionando seu estilo solitário, autossuficiente e sem raízes. Ele fala do amor universal e de não ter posse por ninguém. Ela vai ficando irritada com suas respostas e percebe-se seu medo de dar vazão ao desejo de amar. Ele fica furioso com suas críticas e julgamentos, e se despede pedindo desculpas e muito aborrecido.

Nesse momento aparece o arquétipo da sombra expressando os instintos agressivos, violentos, da não aceitação da realidade, preconceitos, medo de perder a segurança, controle da situação, status social de mulher casada, etc. Há uma quebra do processo sendo expresso pela insegurança de Francesca em abrir sua casa para um desconhecido e ele se sente precisando dela, uma situação nova para ambos, de superação de valores e comportamentos.

Despedem-se e Francesca está muito mobilizada pela paixão e abre seu corpo ao vento e se mostra nua, simbolizando sua abertura de coração para receber Robert. Decide escrever uma mensagem que deixa colada na madeira da ponte coberta e espera.

“Se você quiser jantar quando as mariposas alçarem voo, apareça à noite quando terminar, a qualquer hora.”

Ele marca encontro na ponte e se reencontram; ele faz fotos dela, espontâneas, como uma menina tímida.  Francesca demonstrou coragem ao escolher vivenciar esse amor e se mostra bela e sedutora; compra um vestido novo que lhe surpreende. Dançam apaixonados, à luz de velas, brindam a felicidade e fazem amor entregues ao deleite da volúpia. 

A paixão leva à projeção dos arquétipos da anima e do animus, que representam os aspectos femininos e masculinos inconscientes do homem e da mulher que devem ser reconhecidos e integrados na evolução do processo de individuação do ser humano. Jung dizia que no encontro a dois, se reúnem quatro. O homem e sua anima, a mulher e seu animus.   Essa é uma questão importante no casamento com seus conflitos de diferenciação e integração. Existe o momento de união e de separação onde cada um pode se perceber como um ser em busca de completude. A simbiose existe, mas... Cada um é solitário em seu Eu essencial e necessita realizar-se.

Robert tranquiliza Francesca que eles não estão fazendo nada de errado, nada que não possa contar aos filhos. Ela interroga sobre sua solidão e ele diz que tem amigos e amigas e precisa de todos e adora gente e não tem medo da solidão, lhe agrada o mistério. Ela deixa claro que não quer deixar o marido.

A trama se desenrola num clima amoroso, pois Francesca ama e respeita sua família e Robert é muito cuidadoso e gentil para não invadir sua privacidade, respeitando os limites, apesar da vivência de suas intimidades em fusão. Nesses quatro dias eles foram amantes se projetando para a eternidade. 

A relatividade do tempo se configura num “Kairos”, atemporal, onde céu e terra, masculino e feminino se unem e os deuses concordam, constela o Self, arquétipo da inteireza e transcendência, onde se encaixa a sincronicidade e o mistério do infinito.

Lembrando o poeta Vinicius de Morais, “Que o amor seja infinito enquanto dure”.
Após fazerem amor, ela pede para saírem da casa e foram para longe da cidade fugindo dos olhares conhecidos e das lembranças amargas. Nesse momento estão juntos no mesmo carro, como amantes assumidos.

Foram a um lugar ouvir música com uma orquestra maravilhosa de jazz.

Conversam muito sobre suas vidas íntimas, dançam colados e fazem amor.

Quando retornam a casa, aparece o conflito da perda e separação com muitas indagações. Aparecem os instintos reclamando a posse e muita raiva e angústia.

Robert expressa que quando fotografa, a única razão é que passou a sua vida tentando chegar até ela e se tiver de pensar em ir embora sem ela, é a morte. 

Ela pede que ele não a deixe. Ambos choram.

Uma vizinha interrompe e não percebe o incômodo de Francesca.

Ela o reencontra deitado em sua cama e lhe pede para fugir com ela. Momento de escolha. Ela arruma a mala para segui-lo, mas... reflete que seu marido não merece essa atitude pois ele nunca a magoou e não sabe viver fora dessa fazenda.

“Quero amá-lo do jeito que amo agora a vida toda.”

Robert diz que vai ficar ainda nessa cidade para ver se algo muda e reafirma que essa certeza só ocorreu uma vez na sua vida.

Seu carro desaparece na estrada e logo em seguida, um novo carro chega com sua família como no começo. Ela os recebe carinhosamente e seu olhar está na estrada.
Retoma sua vida cotidiana familiar e sai com o marido para cidade fazer compras. Chove muito. Ela vê Robert olhando em sua direção, totalmente molhado e transfigurado. Despedem-se novamente. O marido faz uma observação que aquela camionete era de um fotógrafo hippie e não sabe por que estava atrapalhando sua passagem na sinaleira como se estivesse esperando alguma coisa.

A chuva nessa cena mostra o simbolismo de excesso de sentimentos, representando a inundação do inconsciente sem controle diante da dor da separação.

Francesca chora muito e pensa que gostaria de compartilhar com eles mas será que eles perceberiam a beleza do que houve?

Ela faz confidências com Lucy, mulher excluída da sociedade por infidelidade, a única que poderia compreendê-la. Ela confessa que continua a amá-lo.

 O tempo passa... Seu marido morre e declara seu amor por ela, desculpando-se por não realizar seus sonhos; ela cuida dele com afeto até o final.

Francesca tentou procurar Robert, mas ninguém sabia onde ele vivia. Anos depois, recebeu uma carta do seu advogado com um pacote de seus objetos e um livro de fotos que dedicou a ela.

Quanta emoção! Olha pela janela e enxuga as lágrimas do tempo e pensa, imaginando, dirigindo-se aos filhos em suas cartas:

“ Não há um dia que não pense nele. Quando disse que não mais  éramos dois, ele estava certo. Estivemos o mais unido que duas pessoas podem ficar. Se não fosse por ele não teria conseguido ficar na fazenda todos esses anos.
“Depois de ler tudo isso, espero que vocês possam entender meu último desejo. Não é nenhum delírio de uma velha senil. Dei minha vida à família. Quero deixar para Robert o que restou de mim, as cinzas.
Se minhas palavras não esclarecerem tudo, talvez suas fotos o façam. Afinal, é o depoimento do artista. Amo os dois do fundo do coração."

Os filhos jogam as cinzas na ponte Roseman; Michael reencontra sua mulher e Carolyn fica na fazenda para refletir sobre sua escolha.





“O Amor é uma espécie de loucura, disse Platão, uma loucura divina.”


Bibliografia:

 Emma Jung:  Animus e Anima
John Sanford:  Os parceiros invisíveis
Jean Shinoda Bolen: A sincronicidade e o Tao
C.G.Jung: (OC) Psicologia e Alquimia
Thomas Moore: Cuide de sua Alma

 Verusa Silveira: Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Cinema no Consultório


O Núcleo de Estudos Junguianos tem o prazer de convidar para mais um Cinema no Consultório, agora com o filme “As Pontes de Madison”. Uma linda história de amor  dirigida  por  Clint Eastwood, protagonizada  por ele e por Meryl Streep,  papel que lhe valeu o Oscar de melhor atriz em 1995.



"Num universo de ambigüidades,  este tipo de certeza só existe uma vez e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam."
Robert James Waller