quarta-feira, 2 de março de 2011

O Carnaval


“- Quem é você, diga logo...
- Que eu quero saber o seu jogo...
- Que eu quero morrer no seu bloco...
- Que eu quero me arder no seu fogo.”

O Carnaval Baiano vem sendo considerado a maior Festa Popular do Mundo... A cada ano, milhares de turistas de todas as partes do Brasil e do planeta aportam em terras soteropolitanas para conhecer, prestigiar e aproveitar a festa.
Apesar das grandes mudanças sofridas nos últimos anos: o fim dos bailes de Carnaval nos Clubes, o surgimento dos Camarotes que nada mais são do que espaços elitizados para a folia e o conseqüente esmagamento do folião do povo, que fica sem ter onde brincar, o Carnaval baiano segue empolgando e arrastando multidões.
Aqui poderíamos colocar como motivadores sinérgicos de tal encantamento a singularidade do Povo Baiano com sua riqueza de raízes culturais (africanas, indígenas e portuguesas) o que confere um caráter único em seu swing e sua música.
Mas afinal, o que atrai tanto as pessoas? Onde estão as origens desta Festa?
As origens do Carnaval são obscuras e longínquas. Sua memória vem do Inconsciente Coletivo dos povos. Os primeiros indícios  surgiram dos cultos agrários no tempo da descoberta da agricultura.
 O berço do carnaval está no IV milênio a.C., no Egito quando o homem começou a entrar no reino da utopia através da comemoração. No momento das festas, ele se desligava das coisas ruins que concretamente tinham ido embora (o inverno que o prendia aos abrigos) e saudava o que lhe parecia um bem (a entrada da primavera, o término das enchentes do rio Nilo, o nascer e o pôr do sol) com danças e cânticos para espantar as forças negativas que prejudicavam o plantio. Esse é o modelo mais simples de Carnaval e consta de danças e cânticos em torno de fogueiras, incorporando-se aos festejos máscaras e adereços e, à medida que a sociedade evoluia para a divisão de classes: orgias, libertinagens e o culto ao corpo.  
Como exemplo desse gênero de festividades temos a festa da deusa Ísis e do Boi Ápis no Egito, as festas da deusa da fecundidade Naita e de Mitra, dos deuses dos pastores na Pérsia, a festa da deusa da fecundidade Astartéia na Fenícia e a festa da grande Mãe em Creta.
Entre os séculos VII a.C. e VI d.C. surge o Carnaval Pagão, que começa quando se oficializa o culto do deus Dionísio na Grécia que se expandiu para Roma, onde foi chamado de Baco. Com a sociedade já organizada em castas e rígidas hierarquias, nitidamente separados por classes (nobres, camponeses e escravos) acentuam-se as libertinagens, licenciosidades, provocadas ao que se supõem, pela necessidade de válvulas de escape. Sexo, bebidas e orgias incorporam-se, definitivamente, às festas que, juntamente com o elemento processional (desfile) e a inversão de classes, compõem o modelo que alguns autores consideram como o fulcro estético e etimológico do carnaval.
Deus da cultura, do vinho e da figueira, ora simbolizado pela hera e pelos pinheiros, ora representado pelo bode, Dioniso, o deus da transformação e da metamorfose, todos os anos chegava à Grécia, aos primeiros raios de sol da primavera acompanhado de um séquito de sátiros e ninfas, sendo saudado pelos fiéis com música, danças, algazarras, vinhos, sexo e também violência, que por vezes terminava em tragédia. Uma multidão de mascarados seguiam o cortejo até o templo onde se consumava o hierogamos (o casamento do Deus com a polis inteira a procura da fecundação).
 As Bacantes, sacerdotisas que celebravam os mistérios do culto a  Baco, invadiam as ruas de Roma, dançando, soltando gritos estridentes e atraindo adeptos em número crescente. Elas causaram tantas desordens e escândalos que o Senado Romano proibiu as Bacanais, em 186 a.C..
Em Roma havia também as Saturnálias em honra a Saturno, deus da agricultura, identificado como Cronos pelos gregos. Saturno chegava com os primeiros sopros do calor da primavera e era saudado com festas e um período de liberação das convenções sociais. Nesse período os escravos tomavam os lugares dos senhores e saiam às ruas para comemorar a liberdade e a igualdade entre os homens, cantando e se divertindo em grande desordem. Não funcionavam as escolas e os tribunais e havia o costume das casas serem lavadas após os excessos libertários. Em continuação  seguiam-se as Lupercais, em homenagem ao deus Pã, que tinham as mesmas características das Saturnálias.
O Carnaval Cristão inicia o seu desenvolvimento quando a Igreja Católica oficializa o Carnaval, em 590 d.C., e  adquire suas características básicas, na Renascença. Expandindo-se por toda a Europa (principalmente nas cidades italianas Veneza e Florença, e também à França), chega a Portugal onde é conhecido como o Entrudo. A festa então é exportada para o Brasil, este ainda como colônia portuguesa.
 Acontecia entre o Sábado Gordo e a quarta-feira de Cinzas, na abertura da primavera, e era realizado entre famílias amigas ou pessoas conhecidas. Ganhando mais tarde as ruas, envolvendo desconhecidos, atingidos por baldes de água, farinha, cinzas ou lama. Tinha um caráter de trote, humor e fanfarra. O Entrudo tornou-se uma das mais antigas formas de brincar o Carnaval. O primeiro relato que se tem dele remonta ao Pernambuco de 1553.
De lá para cá muita coisa mudou mais o fascínio pelo carnaval continua.
 O Carnaval é um rito coletivo onde foliões fantasiados, mascarados ou não, querem transformar-se em um “outro”, em busca da realização de desejos reprimidos. Seria uma trégua, um alívio da hipocrisia social e do medo do corpo numa espécie de efeito catártico regulador do equilíbrio social.
 É uma tentativa das pessoas de se libertarem de suas Máscaras aprisionantes, despindo-se dos seus papéis sociais condicionantes e normóticos.
  Sem as máscaras os instintos se liberam e aparece o arquétipo da Sombra: aquelas características  que queremos esconder ou negar dentro de nós e que são considerados inadequados na moral vigente.
 É importante salientar que a intenção do folião em sua atitude transgressora, pode gerar efeitos construtivos ou destrutivos, a depender da canalização dos instintos.
  A liberação da sexualidade e a desrepressão do corpo, desde que a afetividade esteja presente, gera vitalidade, alegria de viver, musicalidade, poesia, beleza, criatividade e arte.
  Porém, o Carnaval acaba sendo visto como uma salvação mesmo que curta e ilusória e a catarse  acontece muitas vezes de forma extrapolada gerando excessos e violência desnecessárias.
  A psique humana é polar e nela coexistem forças antagônicas que precisam ser equilibradas para um viver mais harmonioso e adequado. Essa busca é algo incessante e natural dentro de nós e constitui uma das metas para a evolução e crescimento humano.
 O Carnaval é como vimos desde sua origem uma expressão do Inconsciente Coletivo, uma necessidade humana de união e igualdade entre as raças e os povos. Cantando e dançando juntos, a multidão se transforma em um único corpo, em uma única voz , num só coração e ritmo em momentos de êxtase coletivo.



“Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu”


Referência Bibliográfica: A História do Carnaval: Dr. Hiram Araújo


Márcia Hita: Médica e Psicoterapeuta Junguiana, membro do Núcleo de Estudos Junguianos da Bahia e do CIT, Colégio Internacional dos Terapeutas.