quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Recital "Canções e Passarinhos"


"Seguindo a orientação da poeta e atriz Elisa Lucinda, nós, da Escola Lucinda de Poesia Viva, somos "dizedores de versos", mas desse jeito assim, coloquial e expressivo, divulgando a poesia  com a linguagem do dia a dia.
Elisa Lucinda  ensina com sensibilidade aos alunos a dizerem versos com a "voz do cotidiano e as imagens que este nos traz, levando o público a mergulhar na humanidade dos poemas".

E depois de tornados alunos da escola, saimos por ai a dizer versos, divulgando a poesia nos mais diversos espaços culturais da cidade, onde encontramos apoios e parcerias.

E agora, com o apoio da Livraria Saraiva, apresentaremos o Recital "Canções e Passarinhos" composto por poemas de Cecília Meirelles e Mário Quintana.

As apresentações serão realizadas no Espaço Cultural da Livraria Saraiva do Shopping Salvador, no dia 09 de outubro  e do shopping Iguatemi no dia 16 de outubro, sempre às 18:00 horas

Esperamos você lá.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Encontro com Dalai Lama
 Por Verusa Silveira


Pensei em compartilhar esse grande encontro em função da importância desse tema contemporâneo que é a possível integração entre ciência e religião.

O Dalai Lama, uma das lideranças mais significativas no contexto atual, focaliza a ética moral como um fator essencial para o desenvolvimento atual da humanidade. Essa mensagem nos remete aos filósofos antigos como Platão na busca do bem e do belo.

Ele afirma com humildade que só o dinheiro não trará felicidade para essa sociedade em transição de valores e que a compaixão é essencial no relacionamento entre seres humanos. O seu discurso é de um homem simples e um “oceano de sabedoria” que representa seu nome. Em nenhum momento ele afirmou uma verdade, respeitando os ensinamentos dos cientistas jovens, médicos psiquiatras e neurologistas, pesquisadores da neuro ciência através da tecnologia e neuro imagem em pacientes no estado mínimo de consciência, vegetativo, coma.

A indagação do conceito de consciência se tornou o ponto central do debate, sem uma resposta definitiva, pois implica uma visão mais ampla do ser humano, considerando matéria e energia.

As diferentes percepções de vários pesquisadores do tema "estados de consciência", não respondem ao mistério da vida e morte do ser humano em sua angústia existencial de busca de paz e felicidade.

O que observamos é que Sua Santidade se mostrou como um aprendiz em relação aos jovens cientistas, sendo uma grande lição para todos nós que estamos buscando evolução no século 21 diante dessa grande crise individual e planetária.

Ele deu ênfase no suporte a familiares e cuidadores de pessoas que estão passando por esses estados vegetativos para diminuir as ansiedades e depressões, possibilitando escolhas conscientes favoráveis.

O método científico assim como as crenças em geral têm suas limitações. A consciência está em movimento, a mudança é permanente, tudo é relativo e temos que nos adequar à realidade de nossa vida e dos acontecimentos no mundo atual, sendo um grande desafio e oportunidade a vida nesse século de tecnologia e humanização.

Considero o Dalai Lama, uma estrela cintilante ou ponto luminoso nessa busca de um significado mais profundo para a existência.

O Relaxamento e a Meditação foram práticas contemplativas indicadas por cientistas e budistas, para efeito de saúde integral no físico e psíquico com pesquisas realizadas em hospitais com resultados satisfatórios.

Todos os seres humanos querem se libertar do sofrimento e serem felizes. As expressões da fé e da razão analítica devem estar unidas nesse propósito de construir uma sociedade pacífica e com valores humanistas onde a ética prevaleça como sugere o Dalai Lama, Oceano de Sabedoria.

São Paulo, 16 de setembro de 2011.


Verusa Silveira
Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mary e Max
                                                                   por Márcia Hita


“Uma Amizade Diferente"

Mary e Max é um filme encantador que fala do Amor: um verdadeiro amor, diferente, improvável; um amor fraterno.
É a história de uma amizade entre uma jovem menina Australiana de 8 anos Mary Daisy Dinkle e  um senhor Nova Yorquino chamado Max Jerry Dorowitz de 44 anos.  Apesar de viverem afastados, de terem uma grande diferença cultural, de idade e viverem em mundos totalmente diferentes, sincronicamente suas vidas se cruzaram num Encontro genuíno: um reencontro de Almas...
 Baseado em fatos reais, o filme, usa a descrição, a delicadeza e o humor para tratar de temas sérios, profundos e complexos como: abandono, rejeição, transtornos psíquicos, obesidade mórbida, alcoolismo, bullying, homossexualismo...
Mary escolhe o nome de Max aleatoriamente em uma lista telefônica, no correio, e eles passam a se corresponder através de cartas: surgindo assim uma grande amizade que iria mudar suas vidas. Um vínculo de amor baseada na sinceridade, confiança e respeito, que venceu barreiras físicas, geográficas e psicológicas.
Pela correspondência, apesar de nunca terem si visto, eles filosofam de tudo: religião, sexo, amor, vida em sociedade, além de trocarem opiniões, questionarem dúvidas e terem brilhantes idéias.  
Descobrem também que tinham muitas afinidades e gostavam das mesmas coisas, parecendo em alguns momentos serem a mesma pessoa. Tiveram históricos de rejeição e abandono, compartilhando de uma mesma dor: a falta de amor e a solidão.
Tudo que mais desejam é alguém com quem possam dividir seus mundos, suas idéias, suas dúvidas, suas alegrias e dores: sua Vida. Alguém que os aceite como são em sua alteridade e para quem possam confiar seus mais secretos desejos e segredos... Um verdadeiro amigo.
Mary e Max não eram aceitos por serem diferentes, não convencionais, não estando no padrão exigido pela censura social.
 Através das cartas, eles realizam juntos seu Processo de Individuação, que é o termo que a Psicologia Junguiana usa para designar o processo de transformação do ser humano do Ego em direção ao Self, através do autoconhecimento.
 A realidade de Mary e Max nos faz refletir sobre a dificuldade em se relacionar com o outro e estabelecer vínculos que estamos vivendo e que reflete em primeiro lugar um distanciamento de nós mesmos.
 Os solitários sofrem por "não olhar sua relação consigo mesmo", buscando no mundo exterior aquilo que deveriam buscar em sua interioridade.. É preciso primeiro de tudo me reconhecer, aprender a ficar comigo, me acolher, me aceitar, me amar, me curtir, e ter uma qualidade de vida interior mais saudável,  superando as necessidade primitivas do meu nascimento e desenvolvimento, para poder me relacionar com os outros. Solidão nada mais é que sentir falta de mim mesmo.
O filme que fala das emoções através dos conflitos dos personagens e de como muitas vezes as reprimimos ao invés de expressá-las de forma adequada e saudável. Observamos um desfile de emoções: alegria, tristeza, raiva, dor, ansiedade, medo, ternura, indignação. Enquanto Mary é um tipo muito sensível e bem emocional, Max era racional e pragmático. Os dois tinham assim Tipos Psicológicos opostos e se completavam.
“Mary e Max” é uma animação escrita e dirigida por Adam Elliot, que usa a técnica cinematográfica stop motion isto é movimento parado. Utiliza a disposição seqüencial de fotografias diferentes de um mesmo objeto inanimado para simular o seu movimento, como nos antigos desenhos animados.
Tudo desde os personagens e o cenário são fabricados em massinha num verdadeiro trabalho de arte e sensibilidade.
 Os personagens são fantásticos, estilizados, cheios de adornos, caricaturas da vida real, com um realismo incrível, conseguindo representar as características físicas e psicológicas de cada um: melancolia, dor, sofrimento: como eles se apresentam para o mundo; sua máscara.
 O cenário é riquíssimo e ambienta a vida e os mundos completamente diferentes em que vivem Mary e Max, atravessando 20 anos de história e de vida de 1976 a 1996.


O filme inicia apresentando o endereço de Mary: Ela vive em Monte Waverley na Austrália, na estrada Lamington, num típico bairro de casinhas de tijolos com cenas da vida cotidiana como chuteiras penduradas, antenas de TV, bola de futebol no telhado, patins no jardim, o lixo, a caixa do correio, o guincho de água, roupas penduradas, as moscas, pássaros, flores.
Mary vive imersa nesse mundo australiano marrom, que é sua cor preferida, a cor de seus olhos (cor das poças de lama) e também de uma marca de nascença que tem na testa (na cor de cocô). O clima marrom é salpicado pelos objetos em vermelho, que aparecem em destaque; como a presilha de Mary, as flores, as malas, seu pompom, a boca de sua mãe etc.. A cor marrom está relacionada a repressão emocional, ao medo do mundo  externo e a baixa auto-estima.
 Ela é uma menina tímida, baixinha, meio desajeitada, usa óculos, é muito observadora, sensível e meiga. Era filha única de um casal, com uma dinâmica familiar profundamente neurótica e desestruturada. Seus pais eram individualistas, negligentes, orgulhosos, egoístas e omissos em suas funções de nutrir a filha de amor, carinho, atenção, compreensão.


Seu pai, Noel Norman Dinkle era um homem anti-social, introspectivo, apático, calado e triste. Depressivo, vivendo a margem da vida, em Tanatos,  sem vitalidade, e prazer, num clima de morte. Não expressava seus sentimentos. Trabalhava em uma fábrica colocando a cordinha nos saquinhos de chá e passava a maior parte de seu tempo em casa, isolado em seu galpão, bebendo licor irlandês e empalhando pássaros que encontrava na beira da estrada, sem participar em nada da vida da filha. Apesar de ser o provedor da família, sua figura paterna e masculina era inexpressiva.

 Sua mãe, Vera Lorraine Dinkle, intrigava Mary: era instável, fútil, vaidosa, com excessiva preocupação com a aparência, sendo espalhafatosa e perua (boby na cabeça, casaco de pele, piteira, batom vermelho). Perversa e sem sentimentos maternais, não sabia acolher a filha a quem tratava com crueldade e menosprezo. Seu hobby era ouvir o Jogo de Criquet no rádio enquanto cozinhava. Era dependente química do cigarro e do álcool, consumindo Sherry e Thompson como se fosse chá. Era Cleptomaníaca roubando mantimentos e objetos de lojas e supermercados. Podemos ver Vera como um ser humano com muitos processos para resolver e transformar, uma pessoa também com grandes dificuldades com seus sentimentos, doente e aprisionada em sua persona e em sua sombra.
Mary tinha um profundo sentimento de rejeição, não se sentindo amada pelos pais e sua própria mãe lhe disse que ela tinha sido “um acidente”. A imaturidade psicológica infantil, de integrar essa dura realidade resulta em auto-estima baixa, complexo de inferioridade e sentimento de culpa por estar no mundo. Junta-se a isso uma não aceitação de si-mesmo. Tudo isso repercute no desenvolvimento saudável de Mary que cresce insegura com sua Imagem corporal, introvertida, tímida e com dificuldade de se relacionar.
Mary não tinha amigos e se sentia muito sozinha, por isso adotara um Galo chamado Ethel como animal de estimação e fiel companheiro. Seus únicos amigos era os Noblets de seu desenho animado preferido da TV eles eram marrons, viviam em um bule e tinham muitos amigos. Era muito criativa e fazia seus próprios brinquedos, inclusive os seus Noblets com conchas, pompons e ossos.  Adorava chocolates e comer leite condensado na lata..
 Usava um anel para medir o humor a depender da cor que estivesse.
Era curiosa e tinha muita imaginação, vivendo num mundo de fantasias. Ela sonhava acordada (devaneios) em se casar com um lorde escocês e viver em um castelo, ter 9 filhos,2 patos e um cachorro chamado Kevin. Esse sonho reflete o desejo de construir uma família com um modelo diferente do dela.

Max vive em um cenário Nova Yorquino, escuro, cinzento, em preto e branco, típico das cidades grandes com seu espaço caótico, ruas estreitas, sujas, arranhas céus, violência e balas perdidas. Contrastando as línguas dos personagens eram vermelhas. A ambiência reflete seu estado de espírito sempre melancólico, triste, ansioso e com predominância idéias negativas.
Excêntrico, pragmático e racional vivia completamente sozinho em um minúsculo apartamento. Não se adaptava a vida agitada, barulhenta da cidade, com seus cheiros fortes, luzes ofuscantes e sonhava em viver em um lugar como a Lua: desabitada, silenciosa, tranqüila. 
Max teve que enfrentar a dor da perda, o sabor do abandono e da rejeição muito cedo. Sua mãe foi abandonada grávida em um kibutz e se suicidou quando ele tinha 6 anos, deixando-o órfão.
Muitas das dificuldades de Max são por conta da Síndrome de Asperger, que é  considerado um transtorno neurobiológico da Afetividade.  É caracterizado por um entendimento lógico e literal da linguagem e a ausência de conecções com o mundo simbólico, o que leva a um não reconhecimento das emoções no rosto das pessoas. A conseqüência é uma enorme dificuldade na comunicação e nas relações interpessoais, levando ao isolamento e muitas vezes a Depressão. Não quer dizer falta de sentimentos e sim uma dificuldade em expressá-las.     
Com 1.80 de altura, Max pesa 160kg e tem obesidade mórbida, freqüentando semanalmente as reuniões dos Comedores Anônimos para tentar perder peso. Come por prazer e por compulsão para diminuir sua ansiedade e angústia.
Faz acompanhamento Psiquiátrico
 Tem péssimos hábitos alimentares, ingere comidas prontas industrializadas como Quiche de Batatas Glicks na terça-feira, Peixe picante do Capitão na quarta e Panqueca de Queijo Yentls na quinta. Diverte-se preparando suas próprias receitas.
Para enfrentar a solidão ele dividia a casa com um peixe, que freqüentemente se suicidava, dois caracóis, um periquito Biscoito e Hal, gato cego Hal. Também tinha um amigo imaginário Sr. Ravioli.
Assim como Mary, seu desenho animado preferido era os Noblets, porque eles representam uma estrutura social articulada e tinham muitos amigos. Sofria de insônia e passava as noites contando carneiros, vendo TV, pegando moscas no ar para seu peixe ou comendo cachorro quente de chocolate, comida que ele mesmo inventou e que era sua preferida. Os chocolates também eram para ele uma paixão.
 Os três desejos de Max eram ter um amigo de verdade, uma coleção completa de Noblets e uma fonte inesgotável de chocolates.
Tinha ataques de ansiedade quando perdia o controle por ser confrontado por alguma situação nova e estressante, entrando em Pânico. Ele freqüentemente se reporta ao passado e a sua infância difícil e sofrida, quando as crises começaram. Traz marcas do abuso e do bullying que sofria na escola onde era perseguido por ser judeu, o que resultou em medo e stress freqüentes.
Tem preocupação com o rumo que a vida social vem tomando, pois achava as pessoas sem educação, e sem respeito pelo próximo. Sempre era mal compreendido por todos nas ruas, que o julgavam mal e o consideravam perigoso, tarado ou mau elemento, o que aumentava sua timidez e seu complexo de rejeição. Tinha dificuldade de compreender as pessoas. “Eu acho que as pessoas me acham indelicado, não consigo entender porque ser honesto pode ser errado. Será por isso que não tenho amigos exceto você?”
Durante sua vida teve muitos empregos, todos informais e que não dependiam de formação escolar: foi coletor de fichas no metrô, embalou macarrão em uma indústria, imprimiu logos de artigos novos em uma empresa que fabricava freesber, fez parte de júri (para receber biscoito e café de graça), coletou lixo na rua, serviu ao exército dos EUA, foi comunista e finalmente trabalhou numa fábrica de camisinhas, apesar de nunca te usado nenhuma.
A mãe de Mary interceptou sua primeira correspondência e quase que a carta de Max se perde. Graças ao seu galo de estimação, Mary consegue resgatá-la. Passa a escrever escondido à noite e a receber as cartas pelo endereço de seu vizinho. Ele é um veterano de Guerra, que não tinha pernas e vivia na cadeira de rodas, sofrendo de Agarofobia ou fobia social. Nunca saia de casa e sempre que tentava atraia algo negativo.
Mary entregava correspondência para juntar dinheiro primeiro para comprar um castelo e depois para ir ver Max na América. Ela também sofre bullying na escola de seus colegas que a rotulavam, criticavam de sua aparência e até da professora, sem nenhuma pedagogia. “Você já foi provocado?”, pergunta a Max.
As cartas de Mary e seus questionamentos mobilizavam profundamente Max que entrava em pânico ficando muitas horas parado para se recuperar ou comendo compulsivamente, pois traziam a tona memórias ou assuntos que ele não sabia como lidar, seus complexos mal resolvidos e sua imaturidade emocional.
 Mary confidencia a Max que está encantada com seu vizinho Damian Popodopolou’s que era grego e gago. Conta do seu desejo de namorar e fazer sexo. Está apaixonada. Revela também suas descobertas sobre como as pessoas namoram e como são feitos os bebês. Questiona se ele tem namorada ou esposa e se já fez sexo.” Você pode me explicar sobre o amor e como eu posso ser amada?” Max não sabe nada sobre o amor e não tinha um bom histórico com as mulheres: nunca dividiu a cama com nenhuma além de seu saco de água quente Sarah. Romance e Amor eram coisas misteriosas para ele. Ele não compreendia o amor. Se ao menos houvesse uma equação matemática para ele... Não tinha uma solução lógica, racional. Max tem um colapso e vai parar no hospital, onde fica durante 8 meses sendo cuidado com medicação e eletrochoques. É diagnosticado como Depressivo e com obesidade grave. Observa-se aí a realidade dos doentes psiquiátricos.
Quando voltou para casa foi recebido por sua vizinha Ivy e resolve não escrever mais para Mary para manter sua sanidade mental.
No seu aniversário de 48 anos ele ganha na loteria e fica rico. Interessante notar que Max não muda de vida, não infla o Ego. Apenas a satisfação de dois dos seus três desejos já o deixa felicíssimo, mas não realizado, pois não realizara seu desejo de ter um amigo de verdade e sente saudade de Mary. Conclui que dinheiro não traz felicidade e não compra um verdadeiro amor. Então ele doa tudo para Ivy.
Inflada, Ivy torra o dinheiro com vaidades, plásticas e aventuras e acaba vítima de seu próprio desequilíbrio. Morre em um acidente.
Max é aconselhado pelo seu Psiquiatra a escrever para Mary e lhe contar a verdade de quem era e também seus defeitos. Mary, que estava triste por não ter notícias,  queimara suas cartas com raiva, mas fica radiante quando recebe novamente uma carta dele.


Ele conta que tem Síndrome de Asperger, tinha consciência de sua doença e a aceitava, porque se não fosse assim não seria ele mesmo. As doenças fazem parte de nosso processo de cura e é através dela que mudamos e evoluímos. Ele confessa sua Sombra...
" Não me sinto diferente, não quero me curar. Gosto de ser um Aspie. A única coisa ruim é não chorar.”
A amizade de Mary e Max ressuscita.  Mary envia lágrimas suas para o amigo e este foi o melhor presente que ele recebeu na vida. Suas cartas voavam rápidas e recheadas de chocolates e de amor.Interessante observar que os presentes que eles trocavam permaneciam com seus tons característicos, vermelhos no mundo de Max e preto e branco no de Mary. Ele aprendeu a ler as cartas com cuidado e tomava remédio quando sentia que ficava ansioso. Ele passava as cartas a ferro cuidadosamente e guardava em um lugar especial
O tempo passou e enquanto Mary crescia para cima, Max crescia para os lados. E como nada na vida é perfeito, ambos acabam passando por grandes decepções, fracassos e até algumas tragédias em suas vidas.
Porque ele era visto como diferente e os outros eram considerados normais? O que é a normalidade? “Os seres humanos são ilógicos jogam comida fora quando tem crianças passando fome, desmatam florestas quando precisam de oxigênio, criam horário para os ônibus mais estão sempre atrasados. “Só existem duas coisas infinitas: O universo e a estupidez humana” Einstein
Mary passa por perdas.  Em 1988 seu pai depois de trabalhar 40 anos em um mesmo lugar, se aposenta e abandona também a taxidermia para começar uma nova atividade de detectar metais. Infelizmente foi vítima de um acidente, sendo engolido pela onda de um tsunami.
Mary recebe uma herança do pai e vai para Universidade estudar sobre os Distúrbios da Mente, para aprender mais sobre a doença de Max. Damian também vai estudar para ser ator. Mary faz uma plástica para tirar a mancha marrom da testa e se produz para o amado, mas não tem o resultado que esperava, ficando frustrada. A conclusão é que não adianta a mudança externa sem uma transformação interna e é Max quem lhe aponta o caminho lhe enviando um biscoito que lhe foi dado por uma menininha na rua: “Primeiro ame a si mesmo”...
Um ano depois, aos 17 anos Mary perde sua Mãe, que se entrega ao alcoolismo depois da morte do marido e se envenena por acidente com o líquido que ele usava para embalsamar os animais. A morte da mãe foi um marco para Mary, que enterra com ela seu anel de medir humor e liberta-se da relação destrutiva. Amadurece e cresce.



Pouco tempo depois Mary se casa com seu único e grande amor Damian. Tudo foi perfeito como em suas fantasias, tendo sido muito bem acolhida pela família do noivo. Sua auto-estima estava maravilhosa e sua confiança era quase insuportável. Na Universidade ela brilhou e se formou e sua proposta era curar as Doenças Mentais. Para isto aprofundou seus estudos e começou a escrever uma tese sobre a Doença de Asperger usando Max como estudo de caso. Sua pretensão era curá-lo. Então lhe envia o primeiro exemplar e lhe diz que vai dividir com ele os direitos e que vai visitá-lo dentro de uma semana.
Max não recebe bem o livro, fica indignado, profundamente magoado, triste e confugado. Se sente traído por sua única amiga. Em sua dor, arranca a letra M de sua máquina e a envia para Mary. Esta recebe a correspondência na hora de viajar e então cai em profundo pesar. A idéia de ter feito seu melhor amigo sofrer lhe causa profundo pesar e um arrependimento profundo se abate sobre ela que manda parar toda a impressão dos livros e os destrói, destruindo junto sua carreira.
Desgostosa ela entra em um processo de depressão reativa. Perde o interesse pelo mundo, começa a beber repetindo o padrão materno. Manda para Max uma lata de leite condensado com a palavra Desculpe: pedia perdão... Passa a esperar cartas que não chegavam e a se destruir a cada dia. Tem a sensação de estar morta.
Sua relação com Damian chega ao final sem ela perceber. Ele a abandona para viver um amor homossexual pelo seu amigo de correspondência e foi morar Nova Zelândia em uma fazenda de ovelhas. Ele lhe escreve contando tudo em despedida e diz que a sua busca de cura estava indo pelo caminho errado.
Max está zangado, com raiva e tem um ataque de fúria com o mendigo da calçada, que lhe pede desculpa... Imediatamente ele lembra de Mary e reconhecendo a emoção fica profundamente tocado. Resolve então Perdoar Mary e para se retratar lhe manda toda sua coleção de Noblets como prova de seu amor. Sente então que o mundo está novamente em equilíbrio.
Em completo delírio, imersa em sua dor, Mary quer terminar com sua vida, se despedindo das fotos de todas as pessoas que amava enquanto ouve a música Que Será Será, com a corda no pescoço e a boca cheia de Valium. Então o seu vizinho Len salva o dia e depois de 45 anos de reclusão ele atravessa a rua em sua cadeira de rodas para entregar a correspondência de Max, evitando a tragédia e salvando a vida de Mary.
“O motivo porque lhe perdou é porque você não é perfeita, igual a mim, todos os seres humanos são imperfeitos, igual a mim e a você. Quando eu era jovem queria ser outra pessoa, qualquer uma menos Eu. Se eu tivesse em uma ilha  sozinho tinha que me acostumar comigo mesmo. Tinha que aceitar-me com meus defeitos e tudo mais.Não escolhemos nossos defeitos eles são parte de nós e temos que viver com eles.Podemos no entanto escolher nossos amigos e estou feliz por te escolhido você. A vida de todo mundo é uma calçada longa, umas bem pavimentadas outras rachadas, cheias de guimbas e cascas. A sua é iguala a minha cheia de rachaduras.Espero que um dia nossas calçadas se encontrem e poderemos compartilhar uma lata de leite condensado. Você é minha melhor amiga minha única amiga.”
Um ano depois Mary chega a Nova York com seu bebê no colo para conhecer Max, como havia prometido. Passaram-se 20 anos, desde que começaram a se corresponder. O encontro dos dois foi emocionante, uma experiência de amor na dor. Encontro e Despedida. Mary encontra Max morto em sua cadeira, havia feito a passagem pacificamente ainda aquela manhã depois de tomar sua última lata de leite de moça. Tinha uma expressão de profunda paz e o espaço do seu pequeno apartamento era pura Luz: Ela vai até a máquina e coloca de volta a letra ‘M’, depois segura em sua mão. Vê o seu de livro expressões faciais e a garrafa com suas lágrimas junto ao espelho onde estava presa sua foto e então maravilhada se dá conta que no teto estavam presas todas as cartas como um céu, que recebera de Mary durante todos aqueles anos e que o alimentaram de amor, nutrindo sua vida de carinho, confiança. Foi um momento mágico, um encontro numinoso com o sagrado, com o self. A Morte como elemento de Transformação e Cura. Em êxtase ela chora de alegria e felicidade apesar da dor da perda. Ela constata que ele tinha cheiro de alcaçuz e olhos da cor de poça de lama como ela... As luzes se acendem em Nova York e dentro dela também...

 A transformação de Mary e Max só foi possível através da abertura do coração para o Amor...

 A minha pergunta preferida é sobre o táxi: se um táxi andar para trás é o taxista quem tem que nos pagar? 


“Querido Sr. Max Horowtz, meu nome é Mary Dayse Dinkle, tenho 8 anos, 3 meses e 9 dias de idade e minha comida preferida é leite condensado, seguido de perto por chocolate....De onde vem os bebês na América? Seria ótimo se você pudesse escrever de volta e ser meu amigo. Atenciosamente M.D.D. P.S. Espero que goste da barra de chocolate que estou te enviando “


“ Cara Mary Daizy Dinkle, agradeço a carta que abri e li as 21he 17min.estou tentando perder peso porque meu psiquiatra Bernard hazlhof, diz que um corpo saudável resulta em uma mente saudável... Ele diz que minha mente não é saudável. Aqui na América os bebes são postos pó rabinos se você é judeu e por freiras se você é católico e por prostitutas se você é ateu.”escreva logo para mim: seu amigo na América. PS: envio uma foto”

“Você é minha melhor amiga. Você é minha única amiga.”
 “Queria ter um amigo que não fosse imaginário ou animal de estimação ou boneco de plástico...”
“a vida de todo mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas, outras (…) têm fendas, cascas de banana e bitucas de cigarro”.



"Deus deu-nos nossos parentes, mas teve a bondade de nos deixar escolher nossos amigos."

(Ethel Munford)
Bibliografia:
Leloup, Jean-Yves: O Essencial do Amor



Márcia Hita: Médica e Psicoterapeuta Junguiana, Membro do Núcleo de Estudos Junguianos e do CIT Colégio Internacional dos Terapeutas.





Amigos são luzes!


 Amigos são luzes que iluminam nosso caminho quando só vemos escuridão.
Luzes que nos fazem enxergar com clareza o que nos parece tão confuso.
 Luzes que depositam em nossos olhos o brilho de um abraço-irmão.
Amigos são luzes de fogos de artifício celebrando nossas vitórias.
 Luzes que nos revestem de brilho diante das coisas mais singelas.
 A nos embalar o sono, luzes diáfanas, refletidas na janela. Amigos são luzes coloridas que nos convidam a sonhar.
Luzes enfileiradas adornando nossa árdua trajetória.
 Luzes que se convertem em lágrimas para ao nosso lado chorar.
 Amigos são luzes vindas do mar em forma de pérolas, jóias reluzentes premiando a mais bela amizade.
 Luzes de um palco encantado, que representa a verdade.
Amigos são luzes de vaga-lumes que voam alegres no quintal.
 Luzes que iluminam nossa alma com seu belo cintilar.
Luzes mágicas, que convertem o mais rude casebre em palácio real.
Quem tem um amigo-luz é um ser abençoado.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cinema no Consultório: MARY & MAX


Dia: 17 de agosto l  Hora: 19:30h.
Tel: 9972-4889 / 9201-0250

terça-feira, 12 de julho de 2011

 50 anos sem Jung


desencadeamento psíquico que não se pode a não ser parcialmente. A  história é sem começo e
“Cada vida é um desencadeamento psíquico que não se pode dominar a não ser parcialmente. A história é sem começo e o fim é apenas aproximadamente indicado”.
C.G.Jung    o fim é apenas aproximadamente indicado”.
      CCCCCCC                                                                    
C. G. Jung   
No dia 6 de Junho completou 50 anos de falecimento de Jung. Esta antiga entrevista com o neto dele, Dieter Baumann, foi  resgatada em parte por Luciano Colella, analista Junguiano em São Paulo e presidente do Instituto de Estudo de Psicologia Analítica.

(Fonte: Jornal "Folha de São Paulo", 08 de junho de 1991)

"O que mais me impressiona em Carl Gustav Jung é a capacidade que teve de suportar os opostos em si mesmo". Decorridos 30 anos da morte de um dos pioneiros da psicanálise, completados no dia 06 de junho de 1991, o jornal "Folha de São Paulo" entrevistou Dieter Baumann, 64 anos, neto de Jung. Sendo neto ele o conheceu não como "o príncipe herdeiro do império freudiano", tampouco como "o velho sábio de Zurique". Em entrevista exclusiva, Baumann conta lembranças de sua infância, que revelam uma face íntima do avô.

Folha - Qual a primeira lembrança que você tem de seu avô?

Dieter Baumann - A primeira lembrança que tenho dele é de quando ele tinha 58 anos e eu 5 ou 6, acho. Eu e mais alguns meninos estávamos em Shafuza, em um grande jardim que era da minha bisavó, tentando fazer um condutor, um tubo, com as hastes de dentes-de-leão. Queríamos que a água corresse através da tubulação e tentávamos encaixar este longo tubo, de vários metros, na bica. Claro que não dava certo. A pressão da água expulsava o tubo.
Fizemos várias tentativas. Aí chegou Jung, perguntou o que estávamos tentando fazer e, quando nós explicamos, pegou o tubo, colocou-o dentro de um tanque que havia debaixo da bica, sugou pela outra ponta e depois que a água chegou, pôs a outra ponta do tubo para fora e abaixo do nível da água e a água começou a escorrer. Em outras palavras ele fez um sifão. Assim ele salvou a nossa brincadeira.

Folha - Isto é muito interessante, porque simbolicamente a água é associada com freqüência aos conteúdos do inconsciente e à energia psíquica.

Baumann - Exatamente por isso que me deve ter vindo à mente. Isto me leva a uma outra lembrança. Quando eu tinha oito anos, estava passando férias com ele em Bolinggen e lá fora, perto da torre, ele tinha um sistema fluvial de rios em miniatura. Ele cavou uma região encharcada e encontrou algumas pequenas fontes. Escavou então pequenos canais por onde a água destas fontes pudesse correr. Como eram várias fontes, acabou formando um verdadeiro sistema fluvial em miniatura que ele manteve e cuidou por muito tempo. Marie-Louise Von Franz chamava essas atividades do Jung de "waterworks" (trabalhos com água). Uma outra lembrança também associada aos canais é de quando eu já tinha 20 anos. Eu o estava ajudando na manutenção deles. É claro que, às vezes devido à movimentação, a água ficava muito turva. Nesse dia, porém, havia um dos afluentes que estava com a água particularmente límpida. Esta água límpida ao entrar na turva criava um des enho muito bonito, uma espécie de nebulosidade, mas límpida. Então eu disse a ele: "Olhe para isto", e apontei-lhe o desenho. Ele olhou e disse: "sim, isto é influência" (influir). Estas lembranças levaram-me a perceber uma das suas características marcantes que era esta união do pensamento concreto e abstrato com o simbólico.

Folha - Jung continuou seu trabalho intelectual até o fim da vida?

Baumann - Bem, praticamente o último trabalho que ele escreveu foi o seu artigo em "O homem e seus símbolos" e isto foi cerca de dois meses antes de morrer. Lembro-me dele nesses dias, escrevendo no terraço da sua casa.

Folha - E sobre a relação de Jung com Freud, você se recorda de algum comentário que ele tenha feito?

Baumann - Lembro-me apenas de que ele me contou uma vez que, quando escreveu "Transformações e Símbolos da Libido" - posteriormente passou a se chamar "Símbolos da Transformação" -, ele sabia que este livro lhe teria custado a amizade de Freud. Ele tinha comentado isto com minha avó. Isso o desgostou muito mas ele tinha que escrever aquele livro.

Folha - O que você lembra do interesse de Jung em relação à parapsicologia?

Baumann - Estes assuntos não lhe interessavam por si mesmos. O seu interesse voltava-se para o significado destes fatos, fazia parte de um interesse mais geral pelas relações entre o corpo e a alma. Em particular através da sua descoberta da sincronicidade, na qual, digamos a realidade física e a realidade espiritual se encontram.
Por exemplo, lembro-me de um fato muito interessante que ele contou que ilustra bem o seu tipo de interesse. Jung estava em Bollingen com Hans Kuhn. Estavam andando fora da torre, conversando. Jung teve um pensamento no qual concluía que o cristianismo não pode vencer o paganismo e vice-versa, e que ambos teriam que morrer para que se criasse algo novo que contivesse os dois e fosse além dos dois. Nesse exato momento encontraram uma cobra morta. Ela tentara comer um peixe muito grande e ficara sufocada. Assim o peixe (que é uma alegoria tradicional do cristianismo) matou a cobra, e a cobra (que é do paganismo) matou o peixe. Isto aconteceu em 1935, 15 anos antes de escrever o seu trabalho sobre a sincronicidade.

Folha - Depois de ter sido fundado o Instituto Jung, como ele via o movimento da psicologia junguiana?

Baumann - Sei que ele não se sentia muito contente que o colocassem num pedestal. Marie-Louise von Franz disse-me uma vez que Jung não queria fundar uma escola e nem ter seguidores mas sentia-se muito satisfeito se o seu trabalho pudesse estimular outras pessoas a se dedicarem ao seu próprio trabalho criativo.

Folha - Uma agressão a Jung que de vez em quando vem à tona é a que o acusa de um suposto anti-semitismo. O que você diria a respeito?

Baumann - Isto é terrível. Continuam sempre insistindo nisso. Existe um livro escrito por E. A. Bennet, "O que Jung realmente disse", no qual ele esclarece definitivamente toda esta questão. Assim, se alguém insiste nisto certamente não está de boa fé. Claro que Jung observou o nazismo como fenômeno psíquico. Posso dar um testemunho pessoal a respeito. Lembro-me de que quando estourou a guerra, no dia 1º de setembro de 1939, estávamos em Bolningen e fomos chamados por uns vizinhos que tinham um rádio, para ouvir aquele discurso demagógico de Hitler. Lembro-me de como Jung ficou profundamente indignado e irritado e expressou isso de um modo muito claro. Lembro também claramente de como ele, durante as refeições, comentava o que estava acontecendo na política e sempre se expressou de uma forma claramente antinazista. Sei também que ele ajudou muitos judeus na época. Ele fez um seminário na Alemanha, em 1935, no qual se lê, nas e ntrelinhas, claramente a sua posição contrária ao que acontecia.
 
Folha - A psicologia junguiana não estaria adquirindo uma dimensão cada vez mais escolástica?

Baumann - Sim, é verdade. Mas eu sempre vejo aqui e acolá pequenos grupos não-oficiais que se formam. Eu já dizia 30 anos atrás que a psicologia junguiana deveria ir para as catacumbas. Fui muito criticado por causa disto porque, por um lado, parece importante que seja difundida, mas quando se vê o uso que algumas pessoas fazem dela, é muito triste. Eu tenho o privilégio de poder me comunicar com vários pequenos grupos deste tipo. Creio que quando conseguimos estas trocas, não oficiais, sem pretensões institucionais, então teremos algo positivo. Mas creio que também quando há instituições as coisas poderiam ir bem se as pessoas envolvidas percebessem que isto é um compromisso com o mundo. Mas tão logo se acredite que esta instituição é uma coisa em si mesma, então isto vai mal.

Folha - O que mais o impressiona na obra de Jung?

Baumann Neste momento, digamos que é a capacidade que teve de suportar os opostos em si mesmo. Aceitando o sofrimento da guerra interna é que se cria a possibilidade de contribuir para a paz. Diria que um dos grandes méritos de Jung foi o de ter reintroduzido no Ocidente o pensamento antinômico, já que, se alguém suporta os opostos em si mesmo, permanece consciente, e assim, serve à completude. Senão, a outra metade é projetada no inimigo, dando início às guerras. Jung diz que se alguém tem um conflito profundo, o importante é tentar participar dos dois polos do conflito, e assim lentamente poderá vir à tona um novo símbolo que os reunirá, ou estará acima ou abaixo dos dois polos. É a lógica de alguém que renuncia à prepotência de querer apossar-se do mistério, pois, se se tentar simplificar as coisas, identificando-se com um dos polos, ocorrerá a dissociação. É exatamente quando se aceita a dilaceração do conflito é que o ri sco de uma dissociação é menor. Eu diria que a dilaceração é o oposto da dissociação.



domingo, 19 de junho de 2011


As Pontes de Madison
Por: Verusa Silveira



“Num universo de ambigüidades, este tipo de certeza só existe uma vez e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam”
Robert James Waller."

Elenco:
. Clint Eastwood : Robert Kincaid
. Francesca Johnson : Meryl Streep
. Annie Corley: Carolyn Johnson
. Victor Slezak: Michael Johnson




"Vejo agora claramente que tenho avançado na tua direção e tu na minha desde há bastante tempo. Embora nenhum de nós tivesse consciência do outro antes de nos termos encontrado, havia uma espécie de certeza inconsciente que murmurava alegremente por debaixo da nossa ignorância, garantindo que nos havíamos de unir. Como duas aves solitárias sobrevoando as imensas pradarias por vontade divina, todos estes anos e vidas avançamos ao encontro um do outro." (...)
 Robert James Waller.


Narra um encontro amoroso entre Francesca Johnson, proprietária de uma fazenda no interior de Iowa e Robert Kincaid, um fotógrafo da National Geographic, de Wasghinton, que estava pesquisando pontes fechadas e chegou nessa cidade de Iowa, em Madison, como artista e aventureiro em busca de sua trilha, pedindo informações a Francesca que acabava de despedir-se de sua família, marido e filhos que iam passar quatro dias fora, para participar de uma feira de gado aonde iriam levar um novilho da filha para concorrer.

“Esse encontro magnético ocorreu como uma trama do destino ou sincronicidade, havendo uma” coincidência significativa “definida por C.G.Jung, como princípio de “conexão a causal,” que mostra um elo existente entre dois eventos encadeados ocorrendo simultaneamente; a saída dessa família e a chegada desse fotógrafo na cidade também por quatro dias”.

Não podemos explicar a vida somente pela razão lógica; a sincronicidade se baseia numa visão mais ampla do ser humano onde acontecimentos do mundo interno e externo se unem, criando situações de nível profundo de sentimentos e intuições na psique.

Esse homem e essa mulher precisavam de uma experiência emocional transformadora naquele exato momento, que o encontro proporcionou.

Pode existir uma coincidência entre o conteúdo mental (que pode ser um pensamento ou um sentimento) e um evento externo.

Quem sabe o que cada um estava desejando nesse momento!...

O filme é uma adaptação do romance de Robert James Waller, que supostamente é baseado numa história real.

A trama inicia pelo final do filme, com o encontro dos irmãos Johnson, Michael e Carolyn, na fazenda, após falecimento de sua mãe que deixou um advogado para entregar seu testamento e cartas endereçadas a eles, um diário onde escrevia suas lembranças e um baú com objetos íntimos, além da sua decisão de lançar suas cinzas na ponte Roseman, junto com as cinzas de Robert que havia morrido há três anos atrás e enviou para Francesca sua máquina fotográfica, livro de fotos, cartas e corrente com crucifixo gravado com seu nome que ela lhe deu de presente, um amuleto, para proteção. Ela guardava essas memórias num baú trancado e suas cartas contavam aos filhos “detalhes de sua vida em silêncio”.

A história se desenrola a partir da revelação dessas cartas, que deixa os filhos chocados, com a transgressão de sua mãe que manteve em silêncio sua aventura até o final da vida, para protegê-los de uma moral aprisionante de uma cidade pequena, de hábitos conservadores e controladores. Francesca mantinha as aparências para adaptar-se ao estilo de vida que escolhera para se casar e formar uma família.

Vemos o aspecto do arquétipo da Persona que define os papéis na sociedade e reprime sonhos e criatividade se não forem quebradas as regras impostas.

 Francesca era uma mulher na meia idade, inteligente, que estava bem adaptada aos papéis de esposa e mãe, mas havia uma insatisfação em sua vida, desejos reprimidos de conhecer novas culturas e pessoas, abrir sua mente, que foi realizado através da relação, função do princípio de Eros, despertando o Processo de Individuação em ambos, na meia-idade, conceito junguiano de desenvolvimento da personalidade a partir da necessidade que cada ser humano tem se completar e “ser o que se é”, singular e criativo.

 Ela se mostra espontânea como uma criança ou adolescente, cheia de vida, disposta a compartilhar o prazer, está receptiva a conhecer esse homem, que lhe deixa curiosa ao buscar essa ponte para fotografar.

Ponte é um símbolo de passagem e de prova, é preciso atravessá-la, fazer uma escolha, como uma encruzilhada. É também um símbolo romântico de encontro de amantes, referindo-se às iniciações dos mistérios ou atrações no amor.

 Robert é um homem solitário, divorciado, sem filhos e coloca seu trabalho como uma obsessão, determinação e sentido, fonte criativa de estar no mundo fazendo escolhas a partir da liberdade do seu ser e se define como “cidadão do mundo”.

O cenário é bucólico, estradas rurais belíssimas com vegetação exuberante, pontes e campo coberto de flores. Sua casa é confortável e simples, típica da área rural e a cozinha é bem acolhedora, onde passam a maior parte do tempo, se conhecendo, comendo, bebendo, rindo, escutando música e se enamorando.
 
Os filhos ficaram chocados inicialmente com as cartas e revelações da mãe e resolveram levar um tempo juntos para digerir essas informações novas. Essa situação de perda e luto os reuniu em novas elaborações.

À medida que a leitura sucedia, eles iam se transformando através dessa história autêntica de amor do tipo Eros, ardente, apaixonado, terno, romântico, poético e sublime, criando pontes em nossa imaginação de como iria evoluir esse processo entre uma mulher casada e um homem livre. 

A reação de Michael é bem diferente de Carolyn, se afastando algumas vezes da leitura, com agressividade e revolta, em função da quebra da imagem idealizada da mãe; ela parece estar mais curiosa e aprendendo sobre sua identidade feminina no momento que está em conflito com seu casamento e pretendendo divorciar. Ambos questionam seus casamentos a partir de um novo modelo.

Francesca decide levar Robert à ponte Roseman e o romance inicia de forma bem natural como se conhecessem há longo tempo. Acontece outra sincronicidade, pois ele conheceu a cidade onde ela nasceu em Bari, na Itália.

 Ele vai pegar um som no porta mala do carro e toca em sua perna deixando-a desconcertada e atraída ao mesmo tempo. A paixão de Eros já incendiou seus corpos e corações que flamam de desejo ardente de amar.

Chegam à ponte coberta e ele arma seus aparelhos para iniciar seu trabalho. Ela, caminha pela ponte e parece fantasiar esse instante de liberdade com um desconhecido que coloca sua vida pelo avesso e a faz sonhar acordada. Ele colhe flores e a presenteia e ela faz uma brincadeira dizendo que eram venenosas; ele se intimida, a chama de sádica, e ela se diverte muito com sua provocação.

 Robert está totalmente seduzido por essa encantadora mulher. As flores venenosas podem ser uma alusão aos medos que estão por trás desse processo que inicia com tanta intensidade. 

Ao retornar, ela o convida a tomar um chá em sua casa e ele aceita.  Conversam muito e ele indaga sobre seu marido e estilo de vida. Suas respostas são vagas e diz que “não é o que sonhou quando menina”. Ele fala de um pensamento seu quando dirigia na estrada.

“Os velhos sonhos eram bons sonhos; não se realizaram, mas foi bom tê-los”.

Ela o convida para jantar e a intimidade foi crescendo, a ponto de não poderem se despedir. Ela o observa se lavando num tanque externo a casa, e está apaixonada. Olha-se no espelho e percebe sua transformação pelo Eros, deus do amor e da beleza, que já flechou seus corações para sempre.

Ele conta suas aventuras de viagem e se descontraem num prazer indescritível, como duas crianças brincando, com Alma, sem censuras, uma permissão de viver o instante presente, poético.

Robert fala de sua profissão e diz que é obcecado pelo que faz, gosta de inventar como fotógrafo, voyeur. Ela foi professora e deixou em função da dedicação à família.

Saem a caminhar na noite mágica, inspirada, e ele recita uma frase do poema de Yeats.
“As maçãs prateadas da Lua e as douradas do Sol”

Vemos a união das polaridades masculina e feminina através dos símbolos do sol e da lua, processo que está acontecendo em suas psiques.

Ela pede para voltarem a casa e pergunta sobre seu divórcio e outras mulheres em sua vida, questionando seu estilo solitário, autossuficiente e sem raízes. Ele fala do amor universal e de não ter posse por ninguém. Ela vai ficando irritada com suas respostas e percebe-se seu medo de dar vazão ao desejo de amar. Ele fica furioso com suas críticas e julgamentos, e se despede pedindo desculpas e muito aborrecido.

Nesse momento aparece o arquétipo da sombra expressando os instintos agressivos, violentos, da não aceitação da realidade, preconceitos, medo de perder a segurança, controle da situação, status social de mulher casada, etc. Há uma quebra do processo sendo expresso pela insegurança de Francesca em abrir sua casa para um desconhecido e ele se sente precisando dela, uma situação nova para ambos, de superação de valores e comportamentos.

Despedem-se e Francesca está muito mobilizada pela paixão e abre seu corpo ao vento e se mostra nua, simbolizando sua abertura de coração para receber Robert. Decide escrever uma mensagem que deixa colada na madeira da ponte coberta e espera.

“Se você quiser jantar quando as mariposas alçarem voo, apareça à noite quando terminar, a qualquer hora.”

Ele marca encontro na ponte e se reencontram; ele faz fotos dela, espontâneas, como uma menina tímida.  Francesca demonstrou coragem ao escolher vivenciar esse amor e se mostra bela e sedutora; compra um vestido novo que lhe surpreende. Dançam apaixonados, à luz de velas, brindam a felicidade e fazem amor entregues ao deleite da volúpia. 

A paixão leva à projeção dos arquétipos da anima e do animus, que representam os aspectos femininos e masculinos inconscientes do homem e da mulher que devem ser reconhecidos e integrados na evolução do processo de individuação do ser humano. Jung dizia que no encontro a dois, se reúnem quatro. O homem e sua anima, a mulher e seu animus.   Essa é uma questão importante no casamento com seus conflitos de diferenciação e integração. Existe o momento de união e de separação onde cada um pode se perceber como um ser em busca de completude. A simbiose existe, mas... Cada um é solitário em seu Eu essencial e necessita realizar-se.

Robert tranquiliza Francesca que eles não estão fazendo nada de errado, nada que não possa contar aos filhos. Ela interroga sobre sua solidão e ele diz que tem amigos e amigas e precisa de todos e adora gente e não tem medo da solidão, lhe agrada o mistério. Ela deixa claro que não quer deixar o marido.

A trama se desenrola num clima amoroso, pois Francesca ama e respeita sua família e Robert é muito cuidadoso e gentil para não invadir sua privacidade, respeitando os limites, apesar da vivência de suas intimidades em fusão. Nesses quatro dias eles foram amantes se projetando para a eternidade. 

A relatividade do tempo se configura num “Kairos”, atemporal, onde céu e terra, masculino e feminino se unem e os deuses concordam, constela o Self, arquétipo da inteireza e transcendência, onde se encaixa a sincronicidade e o mistério do infinito.

Lembrando o poeta Vinicius de Morais, “Que o amor seja infinito enquanto dure”.
Após fazerem amor, ela pede para saírem da casa e foram para longe da cidade fugindo dos olhares conhecidos e das lembranças amargas. Nesse momento estão juntos no mesmo carro, como amantes assumidos.

Foram a um lugar ouvir música com uma orquestra maravilhosa de jazz.

Conversam muito sobre suas vidas íntimas, dançam colados e fazem amor.

Quando retornam a casa, aparece o conflito da perda e separação com muitas indagações. Aparecem os instintos reclamando a posse e muita raiva e angústia.

Robert expressa que quando fotografa, a única razão é que passou a sua vida tentando chegar até ela e se tiver de pensar em ir embora sem ela, é a morte. 

Ela pede que ele não a deixe. Ambos choram.

Uma vizinha interrompe e não percebe o incômodo de Francesca.

Ela o reencontra deitado em sua cama e lhe pede para fugir com ela. Momento de escolha. Ela arruma a mala para segui-lo, mas... reflete que seu marido não merece essa atitude pois ele nunca a magoou e não sabe viver fora dessa fazenda.

“Quero amá-lo do jeito que amo agora a vida toda.”

Robert diz que vai ficar ainda nessa cidade para ver se algo muda e reafirma que essa certeza só ocorreu uma vez na sua vida.

Seu carro desaparece na estrada e logo em seguida, um novo carro chega com sua família como no começo. Ela os recebe carinhosamente e seu olhar está na estrada.
Retoma sua vida cotidiana familiar e sai com o marido para cidade fazer compras. Chove muito. Ela vê Robert olhando em sua direção, totalmente molhado e transfigurado. Despedem-se novamente. O marido faz uma observação que aquela camionete era de um fotógrafo hippie e não sabe por que estava atrapalhando sua passagem na sinaleira como se estivesse esperando alguma coisa.

A chuva nessa cena mostra o simbolismo de excesso de sentimentos, representando a inundação do inconsciente sem controle diante da dor da separação.

Francesca chora muito e pensa que gostaria de compartilhar com eles mas será que eles perceberiam a beleza do que houve?

Ela faz confidências com Lucy, mulher excluída da sociedade por infidelidade, a única que poderia compreendê-la. Ela confessa que continua a amá-lo.

 O tempo passa... Seu marido morre e declara seu amor por ela, desculpando-se por não realizar seus sonhos; ela cuida dele com afeto até o final.

Francesca tentou procurar Robert, mas ninguém sabia onde ele vivia. Anos depois, recebeu uma carta do seu advogado com um pacote de seus objetos e um livro de fotos que dedicou a ela.

Quanta emoção! Olha pela janela e enxuga as lágrimas do tempo e pensa, imaginando, dirigindo-se aos filhos em suas cartas:

“ Não há um dia que não pense nele. Quando disse que não mais  éramos dois, ele estava certo. Estivemos o mais unido que duas pessoas podem ficar. Se não fosse por ele não teria conseguido ficar na fazenda todos esses anos.
“Depois de ler tudo isso, espero que vocês possam entender meu último desejo. Não é nenhum delírio de uma velha senil. Dei minha vida à família. Quero deixar para Robert o que restou de mim, as cinzas.
Se minhas palavras não esclarecerem tudo, talvez suas fotos o façam. Afinal, é o depoimento do artista. Amo os dois do fundo do coração."

Os filhos jogam as cinzas na ponte Roseman; Michael reencontra sua mulher e Carolyn fica na fazenda para refletir sobre sua escolha.





“O Amor é uma espécie de loucura, disse Platão, uma loucura divina.”


Bibliografia:

 Emma Jung:  Animus e Anima
John Sanford:  Os parceiros invisíveis
Jean Shinoda Bolen: A sincronicidade e o Tao
C.G.Jung: (OC) Psicologia e Alquimia
Thomas Moore: Cuide de sua Alma

 Verusa Silveira: Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana.