quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cinema no Consultório - Filme: Vicky Cristina Barcelona

Dia: 16 de junho (quarta-feira) - 19h
Investimento: R$ 15,00
Informações: 3271-3640 / 9201-0250 / 9972-4889

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Busca do Amor no Século XXI

Nosso Bate-papo é uma proposta de indagações sobre esse tema universal para o ser humano em sua trajetória de vida.

Iniciamos nossa reflexão pelo cartaz que divulgamos através de uma obra de arte de Lorenzo Mattotti, simbolizando o encontro entre o masculino e o feminino, cada um lendo seu livro.

Qual é a busca de cada um?
Quais são seus valores?
Como conciliar essas duas naturezas opostas e complementares?
Como se dá esse encontro a nível externo e a nível interno de alma?
Quem é esse Eros ou Cupido que nos flecha e que tanto desejamos ser flechados?
O que é a paixão?
Existe diferença entre amor e paixão?
O que o homem pensa e sente sobre a Revolução Feminina e sua repercussão nessa complementaridade?
Existe possibilidade de ressignificação do encontro Homem e Mulher em condições de igualdade, sendo de naturezas tão diferentes?
É possível amar verdadeiramente?

Para falar de amor, temos que recorrer aos poetas, amantes e místicos que se encontram nesse estado amoroso de inspiração, beleza e criatividade.

Entramos no reino da imaginação onde as Musas se tornam presentes e o Deus Eros com suas asas e flechas, brincalhão e assertivo escolhem seus eleitos para essa viagem no reino mítico de surpresas. Eros é um intermediário entre deuses e homens, dando asas ao mundo dos impulsos. É anjo e daimon. “É o desejo ardente.”

A Deusa Afrodite ou Vênus, sua mãe, nascida das ondas do mar, presenteia aqueles que abrem seu coração para o amor. É o arquétipo da beleza e da paixão.

Lembro do grande poeta, compositor e músico baiano, Caetano Veloso, pai do Tropicalismo, revolução de costumes, criada no Brasil nos anos 60, com um grupo denominado Os Doces Bárbaros, cantando e dançando, numa alegria indescritível e desejo de mudança.

“O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar!”.

Essa revolução marcou uma busca por novas idéias libertárias, indagando sobre os caminhos das relações amorosas e do processo de construção de um novo homem e de uma nova mulher e consequentemente uma nova família.

Esse movimento surgiu como um balão de oxigênio numa época repressora da ditadura militar nos anos 60. Caetano gritava “é proibido proibir” e naturalmente foi exilado como todos que tentaram quebrar os valores tradicionais. Não se evolui sem perdas necessárias ao desenvolvimento da consciência, que é individual e se reflete na sociedade.

Ainda no século XX, o casal de escritores e intelectuais franceses, Sartre e Simone de Beauvoir, criaram a filosofia humanista existencialista, baseada em idéias libertárias e no amor livre, respeitando o limite da individualidade.

Simone de Beauvoir escreveu uma pesquisa sobre a condição feminina em suas várias dimensões, psicológica, sexual, social e política, propondo um novo caminho para a mulher e para ambos os sexos.

Em seu livro: “Uma Experiência Vivida”, De Beauvoir cita: “o certo é que até aqui as possibilidades da mulher foram sufocadas e perdidas para a humanidade; já é tempo no seu interesse e de todos, de deixá-la enfim, correr todos os riscos, tentar a sorte”.

No final de sua pesquisa, ela afirma: “é dentro de um mundo dado que cabe ao ser humano fazer triunfar o reino da liberdade; para alcançar essa suprema vitória é, entre outras coisas, necessário que para além de suas diferenciações naturais, homens e mulheres afirmem sem equívoco sua fraternidade”.

Simone de Beauvoir foi pioneira ao movimento feminista e o casal trouxe um novo modelo de relacionamento. Nessa época, ainda não havia o movimento feminista numa forma radical e impulsiva de contestação ao masculino, onde a mulher vivencia um modelo competitivo com o homem, perdendo sua feminilidade, vestindo ternos, cortando cabelos e se dedicando de corpo e alma ao seu trabalho profissional como busca de uma nova identidade.

Esse movimento criou a nova mulher?

Na visão Junguiana, o ser humano possui as duas polaridades masculino e feminino, sendo dominante uma delas que corresponde ao seu sexo. Cada um tem que integrar o oposto em si mesmo no sentido de busca de equilíbrio numa visão holística, de inteireza. Penso que essa teoria é contemporânea e pode nos auxiliar nessa busca de igualdade de direitos e diferenciações naturais.

A mulher moderna que está integrando seu animus ou sua masculinidade interior, não precisa competir com os homens nem adotar qualidades masculinas para se expressar, isto é, identificar-se com o modelo masculino. Ela reconhece a presença de qualidades masculinas dentro dela, assume sua própria autoridade e mantém-se fiel à sua natureza feminina. Ela não pode ser capaz de mudar o sistema patriarcal em volta dela, mas o que é mais importante, ela não permite que o sistema a modifique.

A Psicologia Analítica, Humanista, de C. G. Jung, parte do princípio que só podemos nos desenvolver plenamente, quando integramos nossa individualidade e nossa capacidade de nos relacionar. Esse processo é chamado de “Individuação” que é uma busca de desenvolvimento da consciência através do autoconhecimento e de outros métodos libertários que cada um escolhe para expressar sua singularidade ou criatividade.

O homem precisa integrar o seu feminino interior, arquétipo da anima que se encontra no seu inconsciente ou subjetividade; e a mulher, o seu masculino interior, animus. Quando cada ser humano empreende essa busca, o relacionamento com o outro sexo se torna mais harmonioso, já que não precisa projetar no outro a sua própria alma.

O outro serve de espelho para que essa tarefa grandiosa possa ser realizada pelo casal, exigindo muito amor, paciência, compaixão, virtudes que vão sendo adquiridas à medida que a personalidade amadurece e a capacidade de amar evolui.

Essa teoria psicológica que inclui o inconsciente pessoal, repositório de nossos conteúdos reprimidos, os complexos, e o inconsciente coletivo, os arquétipos, nossa herança universal, nos convida ao autoconhecimento, a entrarmos em nosso inconsciente para pescarmos as pérolas de uma compreensão maior de nossa integridade e criar um relacionamento saudável consigo, com o outro e com a sociedade.

Eric Fromm, psicanalista, em seu livro “A Arte de Amar”, coloca o amor como uma Arte que exige concentração, cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento sobre si mesmo que se revela para o outro.

Na filosofia de Platão, da Grécia Antiga, conta o mito do androginato, através do discurso de Aristófanes, no Banquete: “No início da criação, os seres humanos eram inteiros, perfeitos e redondos. Em represália à insolência desses seres, Zeus, o líder dos deuses, cortou-os ao meio. E assim iniciou essa procura ansiosa de sua antiga metade, pela humanidade.”

“O amor é uma espécie de loucura, disse Platão, uma loucura divina!”

“Quando arrebatado de amor, um ser humano olha a pessoa que ama, é sua própria imagem que ele vê nos olhos de seu amado (a).”

Podemos transpor essa idéia antiga para nossa época, na teoria de espelhos, onde vemos no outro nossa própria alma e nos apaixonamos. Quando a paixão acaba, é o momento da desilusão, de separação ou possibilidade de transformar esse relacionamento em diferentes formas de amar.

Existem muitas possibilidades de amor:

O amor Pornéia refere-se ao amor do bebê por sua mãe – “ele a come”. Ele gosta do seu leite, do seu calor, do objeto materno.

Esse tipo de amor também ocorre no ser humano, “um bebezão que devora”, um exemplo de amor que não evoluiu. Um amor que não parou de mamar, de consumir o mundo, os outros, o corpo.

Nesse estágio, trata-se de um instinto de sobrevivência, uma pulsão, um apetite vivenciado como uma necessidade de alimentar-se do outro.

O amor Eros é que vai dar asas à Pornéia, aquele que vai introduzir inteligência na pulsão. Eros é a atração e o desejo de se unir ao corpo, de fusão. O amor torna-se inteligente, e pode transformar as pulsões, desejos instintivos, emoções fortes em sentimentos belos. O ser humano ganha asas.

O amor Philia é o amor amizade. Trata-se de um amor de intercâmbio, do compartilhar, da troca do dar e receber. A amizade não é da ordem da utilidade, supõe uma atitude de acolhimento, um amor fraterno.

O amor Ágape é o amor gratuito, que não se espera nada do outro, é altruísta. É o amor divino. “Quem ama é o ser divino presente em nós”. É o eu que se abre para o self. Abrimo-nos para aquele que ama em nós. É o divino que encontra o divino no outro. O Ágape implica uma vontade de amor, da fonte divina.

Um exemplo desse amor é ressaltado no Cântico dos Cânticos, hino bíblico onde Salomão e Sulamita se enlaçam conciliando o desejo mais carnal e a transcendência mais sublime. É colocado em versículos através de versos poéticos.

Jean Yves Leloup em seu livro “Uma Arte de Amar para nossos Tempos” sugere a indagação: “É preciso encontrar um belo objeto para amar ou é preciso reencontrar a capacidade de amar em todas as circunstâncias?

Rainer Maria Rilke, em “Cartas a um Jovem Poeta”, dizia que as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor com todo o seu ser e o tempo de aprendizado é sempre um longo período de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão, isolamento intenso e profundo para quem ama."

“Amar outro ser humano é talvez a tarefa mais difícil que a nós foi confiada, a tarefa definitiva. A prova e o teste finais; a obra para a qual todas as outras não passam de mera preparação.”

Na visão platônica, a essência consiste em inspirar nos homens o desejo de possuir o que é belo e o que é bom, não apenas momentaneamente, mas para sempre.

A fonte do pensamento de Platão é o filósofo Sócrates, pai do autoconhecimento, anunciador da máxima “Conhece-te a ti mesmo”.

Creio que essas metamorfoses que todos estamos passando, com aceleração no início do século XXI, de busca de uma nova identidade, têm como base o processo de individuação que é a busca de você se tornar aquilo que você é em essência e ser uma pessoa criativa, realizando sua singularidade.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor possessivo, dominador, pelo amor de troca, de comunhão ou aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades.

A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século.

Quanto mais o indivíduo for responsável por suas escolhas pessoais, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado.

Todas as pessoas deveriam experimentar sua solidão para vivenciarem um diálogo interno ou subjetivo com seu centro ou essência e descobrir sua força e poder pessoal, que só podem ser encontrados dentro dele mesmo, e não a partir do outro.

O amor de duas pessoas inteiras é a busca do relacionamento saudável no século XXI.

Referências Bibliográficas:
C.G. Jung – Memórias Sonhos Reflexões
C.G. Jung – O Homem e Seus Símbolos
Platão - O Banquete, Tradução do Prof. J. Cavalcante de Souza
Simone de Beauvoir – O Segundo Sexo, Uma Experiência Vivida
Eric Fromm – A Arte de Amar
Thomas Moore – Cuide de Sua Alma
Thomas Moore – O Que São Almas Gêmeas
Jean Yves Leloup – Uma Arte de Amar para os nossos Tempos
Jean Yves Leloup – Amar apesar de Tudo
Jean Yves Leloup – O Essencial no Amor
Rainer Maria Rilke – Cartas a um Jovem Poeta

Indicação de filmes:
Vicky Cristina Barcelona – Direção: Woody Allen (2008)
As Pontes de Madison – Direção: Clint Eastwood (1995)
E o Vento Levou – Direção: Victor Fleming (1939)
Assédio – Direção: Bernardo Bertolucci (1998)
O Amante – Direção: Jean-Jacques Annaud (1992)
Asas do Desejo - Direção Wim Wenders (1987)

Verusa Silveira
Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana
Coordenadora do Núcleo de Estudos Junguianos – Bahia (1988)